Páginas

Pesquisar este blog

domingo, 13 de dezembro de 2015

o tal do complexo de atlas


A Florentina de Gezuis sabe dos paranauê do Atlas...

O complexo de Atlas é uma expressão típica usada para denotar o quanto um indivíduo carrega de peso (Ou o mundo se preferir) nas costas por conta de um débito com a sociedade/particular ou pelo simples fato de jogarem o fardo todo para cima dele.

Assim como o mito do titã Atlas (Não, ele não era da formação original dos Titãs, tá?) - que foi condenado a segurar literalmente o globo terrestre (Há divergências sobre o globo e a abóboda celestial, aí o peso seria terrivelmente pior) em suas costas por toda eternidade - muitas pessoinhas fofas e sem estrutura de um magnânimo personagem fictício indestrutível também sofrem do mesmo castigo.

Se é que é castigo, algumas vezes nascemos com esse fardo antes mesmo de sabermos quem somos no mundo. Uma herança talvez, um sintoma da sociedade contemporânea que não conseguiu estabelecer suas regras, ou sim, também pode ser castigo.

Vejo com frequência jovens como eu, chegando aos 3, tentando arduamente expressar algo que seja seu unicamente. Algo original, algo que os satisfaça como de autoria própria, algo que faça a vida ter sentido do modo como dá, mas o bendito do fardo que carregam às vezes atrapalha o processo de maneira cruel.

São jovens (E crianças também, por que não? Já vi gurizada de 10 anos mais sábias que muitos marmanjos de 30 e 40 por essa vida de biblioteca escolar) que lentamente vão testemunhar sua falência de movimentos bruscos por conta da dor nos joelhos e na lombar por carregar o peso do mundo nas costas. Sem querer. Sem pedir. Sem ter garantia de quando vão se livrar daquilo.

Afunilando mais  reflexão aqui, os complexados de Atlas suportam mais do que deveriam, mais do que suas estruturas ósseas, emocionais e psicológicas conseguem manter. Cada esforço para dar um passo em mudança ou até mesmo sair do lugar é tão dolorido quanto carregar o fardo. Alguns não se dão conta disso até verem o fardo do outro, outros jamais vão admitir que aquilo ali nas costas eram um fardo (Alguns tem até um orgulho mórbido dos seus), outros que conseguem deixar um pouco do fardo ser aliviado por outrém (terapia é um ótimo começo, moçada) tem essa breve lembrança de infância quando o peso não era tanto, quando tudo era mais simples de se entender e difícil de se entrsitecer.

O fardo de Atlas (o mito) é contraditório, pois o titã claramente odiava a Humanidade por serem inferiores aos Titãs e os Olimpianos. Carregá-los para todo o sempre foi o seu castigo. Ter que suportar o peso que eles têm sob si foi o castigo, saber que era a base de sustentação de um mundo em que adoraria ter sob o controle, mas agora dominado por seres fracos e mortais era o castigo. A impotência de Atlas para realizar suas ambições e suas paixões foi o seu fraco: carregar o mundo nas costas a consequência.

Atlas de bronze por Lee Lawrie e Rene Paul Chambellan
em frente a Igreja de São Patrício em NY.

Mas como nós, meros mortais, temos em comum com o famigerado titã?
(Eu, por exemplo sempre gostei do Arnaldo Antunes)
(Sim, isso foi uma piadinha infame)

Nós carregamos no fardo os nossos sonhos, nossas angústias, nossas frustrações, nossos medos, nossas realizações, nossos amores e muito mais. O fardo é nosso. Ali também contém um pedaço de nós mesmos. Como então dar a lôca e jogar isso tudo pro alto? Como é possível se sentir aliviado de algo que faz parte de você desde que você se constituiu como pessoa?

Como carregar o mundo (o seu) e mais dos outros pode afetar nossa própria personalidade?

Ter a realização que há um fardo universal e que estará ali já é um bom começo. Ter a noção de que esse fardo vai moldar muitas das suas escolhas na vida (E de outras pessoas também) é algo importante a se relevar. Mas deixar que o fardo se transforme num hiper-ultra-blaster-megazord que ocupa totalmente a sua vida e não te deixa respirar, aí sim temos um problema. Claro que há certas situações em que o fardo é autenticado e pregado a sua lombar e que nunca mais irá sair - vejamos os fardos familiares com nós na ponta tão apertados, que deixar escapar algo para liberar o peso pode ser fatal para toda uma comunidade - e esses se deve ter muito cuidado. Esses fardos de difícil desassociação estarão lá sempre, não vai adiantar esvaziar um bocadinho agora, algum dia eles voltam com mais volume.

Os fardos para nós são diversos, mas quase convergindo para o mesmo ponto de apoio: as costas.

É ali que se encontra a maior parte dos nossos órgãos vitais - coração, pulmão, estômago, fígado - e é ali que a sustentação do fardo se aloca para se adaptar melhor ao indivíduo. Muito da distribuição de peso vai para o coração e o estômago, o restante do conjunto sofre com o peso estrangulando músculos, comprimindo artérias e trincando ossos. Não adianta fazer academia, ter alimentação saudável, ser cidadão "de bem", pagar impostos, seguir as regras, o fardo estará ali, pesando mais e mais enquanto a vida prossegue.

Por experiência particular, eu soube do meu fardo ao estabelecer o Outro. O meu contato com outras pessoas me deu noção de que meu fardo pode aumentar ou diminuir se assim eu me permitir. Saber o limite do Outro é estabelecer um limite para essa pandoca aqui que vos escreve. Tenho essa noção chata internalizada desde pequena, do o que ou não devo fazer para não aumentar o meu fardo e os ao meu redor. Sei que é extremamente delicado e impossível realizar isso com maestria, mas tem funcionado um bocadinho quando tento colocar as coisas em ordem novamente na sustentação dos meus joelhos.

Farnese Atlas em mármore - escultura romana.
Ter a consciência do fardo do Outro é importantíssimo para sabermos até onde podemos aguentar o nosso fardo e hey! Por que não talvez ajudar no fardo do Outro? É uma boa concepção de vida, me parece justo ter o conhecimento do meu fardo e querer compartilhar com quem está perto de mim (Ou longe, viva a Internet!). Talvez o meu fardo seja parecido com o seu. Talvez o seu fardo não me seja compreensível de desamarrar o bendito nó para esvaziar um pouco, mas só de termos contato e percebemos mesmo que os fardos podem ser aliviados, tudo muda na nossa vida.

Sinceramente só queria que alguns fardos de gente chegada a mim não fossem tão pesados. Isso vai encurvando a pessoa de tal maneira que o sentido da vida dela vai se tornando o fardo.
(Já disse que dá probreeeeema, pois então. Dá.)

Muitos de nós temos essa sensação de Atlas carregando o mundo nas costas, é até corriqueiro dizer isso de alguém que você conhece que parece estar carregando tantos problemas e tantas situações de vida que é difícil vê-lo superar ou aliviar aquilo. Cada fardo é um fardo e cada um carrega o seu. Ao meu ver, nenhum titã que participou da Titanomaquia (Aquela briguinha besta entre deuses e eles que trouxe castigo eterno pra uma pancada tipo, Sísifo, Tântalo, Prometeu e talz...) recebeu uma punição, mas sim uma consequência daquilo que mais almejava em sua vida.

Isso talvez possa ser transposto para o fardo nosso de cada dia.

Eu acredito que meu fardo seja eu mesma produzindo aos poucos para me atolar algum dia em breve nas minhas próprias mancadas, besteiras e decisões. Isso só veio com a percepção do Outro, o fardo de outrém me dá noção de como devo carregar o meu. Vi muitos fardos na família sendo cruéis e massacrando pessoas até sua completa inexistência como indivíduo. Esses fardos em formas distintas (garrafas, pílulas, papéis, malas de viagem, quinquilharias de segunda mão) trouxeram projeção pro meu fardo: até hoje morro de medo de estar carregando peso demais quando não deveria ter algum. E só o morrer de medo de não carregar algum já é um fardo.

Eita círculo vicioso.

Cuidar do fardo também não deve ser trágico, mas precisa de cuidados especiais para não se perder a cabeça (Literalmente). Há fardos que nem posso imaginar como são alojados distribuídos em costas tão sensíveis e pequenas. Há fardos que enxergo tão bem que para mim chega a ser uma forma implícita de ajudar, mesmo que não seja na hora, mas com um simples gesto de: "Oh, assim, olha só o meu fardo, ele também é parecido. Bora trocar figurinhas e ver se um deles se esvazia mais rápido?" - há fardos, eu sei, que não irei compreender - e desses eu tenho um apreço mais especial em desvendá-los para o dia que alguém precisar de pelo menos uma conversa rápida sobre pesos, medidas, equilíbrio e taxa de importação/exportação.

E já que estamos no final de ano, pensar nos fardos costuma ser algo mais acentuado quando há tantas reuniões familiares. Fardos esses que são bem pesadinhos por assim dizer, eles costumam ficar por um bom tempo se mexendo e revirando o restante do conteúdo do fardo que a gente carrega (Às vezes faz uns caírem por terra e ao invés de sentirmos alívio, é um enorme pesar por ter deixado escapar). Sei que o texto de hoje foi sério, mas é bom para deliberar quando estivermos ali, sentados na mesa de jantar, reunidos com os parentes e de repente perguntar:

O que raios eu tou fazendo aqui? Isso é demais para mim.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigadão pelo comment!
Volte sempre!

Compartilhe nas Redes Sociais